segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Ouvidinho

Em uma das ruas do armour existia um vigia noturno de pequena estatura, cabelos ralos e um rosto moreno queimado do sol, sua alcunha era ouvidinho, por ser uma pessoa por demais informada da vida alheia. Ele trabalhava há alguns meses naquela localidade acreditando ser o melhor emprego do mundo. Nunca houvera tido nenhuma alteração na calma e serena noite santanense.
Certa noite, enquanto urinava escorado nos ferros da parada de ônibus, ouviu um barulho diferente ao longe. Mirou com atenção para a rua da ladeira e viu, na janela da casa do Seu Pablo, uma pessoa com uma faca na cintura tentando abrir a janela. Acreditou que aquele sujeito indefinido fosse um habilidoso ladrão, pois a janela rapidamente foi aberta, como se ninguém houvesse trancado-a. Num desatinado pulo em direção à calçada, ele se põe a correr e gritar, seis ou sete silvos foram dados com seu poderoso apito de metal, fazendo o suspeito senhor bater em retirada em direção ao cerro, embrenhando-se nos canteiros mal carpidos do bairro, onde não pode mais ser avistado.
Notadamente com medo, o vigilante volta para sua cadeira em uma das esquinas e espera, apreensivo, o fim do expediente com o raiar do sol.
Na manhã seguinte, depois de ter ido para sua casa descansar um pouco, Ouvidinho teve fome e foi ao açougue do bairro, onde trabalhava seu amigo Zé, a fim de comprar guisado.
Batendo no balcão com certa força, ele pede 1 kg de guisado de segunda para Zé, que começa a ensacar a carne.
Ouvidinho olha para a face do amigo e nota alguns arranhões nas suas bochechas, logo o pergunta:
__ Tchê, Zé, o que é esses arranhados na tua cara?
O rapaz para rapidamente a pesagem do guisado, como se tivesse ficado confuso com tal afirmação e responde: __ Não é nada demais, esses barbeiros da zona não sabem fazer uma barba como antigamente. Ouvidinho continua:
__ Sabe que ontem à noite houve uma alteração na vizinhança, vi um sujeito armado de uma faca abrindo a janela da casa do Seu Pablo, o mesmo ao me avistar saiu correndo mato a dentro, conseguindo fugir.
Zé, quase que suando, responde ofegante:
__ Verdade? Que perigo! Esse bairro está decadente, é um perigo sair de noite.
O açougueiro joga o saco com carne para o amigo, que o paga e vai embora.
Chegando em casa com sua compra, Ouvidinho prepara o guisado e reflete no que havia acontecido. Ele ficou muito desconfiado de que Zé tivesse parte com o ocorrido naquela noite.
Iniciando a nova jornada de trabalho, Ouvidinho resolve fazer uma ronda diferente na direção do açougue, onde nos fundos morava seu amigo Zé.
Ele dá uma volta pela frente do estabelecimento e dobra para os fundos do mesmo, onde tinha uma luz acesa, provavelmente a do banheiro. Ele olha para a janela, que era bem alta e fica por ali alguns minutos, quando começa a ouvir um barulho, de certa forma indefinido, como se fosse uma voz. Com a máxima concentração tenta decifrar o que era aquele som e, passado alguns instantes, ele ouve a seguinte frase dita com ofegância: “Pablo, Pablo, tu vai ver Pablo.”
Assustado, ele sai correndo e derrubando algumas latas que tapavam a fossa séptica da casa. Ao perceber que seu tropeço fora ouvido, ele atravessa a rua, se esconde atrás de uma árvore e fica vigiando a casa.
A luz dos fundos se acende e na calçada surge Zé, sem camisa e com uma faca em mãos. Ele dá três voltas pela frente do estabelecimento empunhando a faca e volta para sua casa. Ouvidinho teve a certeza que era Zé o mesmo homem que estava tentando entrar na casa do Seu Pablo.
Nunca havia desconfiado que seu amigo era ladrão, sempre conviveu com Zé, haviam sido criados juntos pela sua avó, como se fossem irmãos, eram íntimos amigos. Ouvidinho jamais desconfiou que seu velho amigo fosse uma pessoa perigosa.
Assustado com tudo isso, Ouvidinho passou a fazer sua ronda todas as noites dando atenção especial para a casa do Seu Pablo. Durante vários dias nada aconteceu por lá, mas quando ele menos esperava, entre um cochilo e outro, reparou que a janela da casa do Seu Pablo estava aberta, com as cortinas voando para fora por causa do forte vento daquela noite.
Com muita cautela ele rasteja pela lateral da casa e se escora abaixo da janela, para concluir sua suspeita de que algo ruim havia acontecido.
Ouvidinho agarra seu cassetete com as duas mãos e fica esperando o momento certo de olhar pela janela e fazer algo. Ele ouviu, então, a voz de Zé. Ficou paralisado, não acreditava que poderia acontecer algo de ruim ali. Ele levanta-se um pouco mais para ouvir o que estava acontecendo e Zé grita: “Agora tu não grita, nem vai doer”
Sem pensar em nada, Ouvidinho enfia o corpo pela janela e grita:
__ Parem! Não faça nada com ele!
Mas foi só gritar essas frases de ordem que um frio bateu da barriga aos pés do vigia. Estava no quarto o Neto do Seu Pablo, prostrado na cama ao lado do açougueiro que estava com a linguiça em riste.
__ Que barbaridade! Como tu podes te acostar na cama com esse rapaz, o que pensa que está fazendo! Achei que não fosses assim! __ Exclama de forma exasperada o vigia ouvidinho.
__ Desculpa, não tenho mais o que fazer, fui pego em flagrante. Peço a ti, meu velho amigo, para que me perdoe por tal atitude e me diga, de verdade, o que posso fazer para voltar a ter tua amizade. __ Lamentou Zé.
Ouvidinho larga o cacetete no chão, esfrega o rosto com a mão, pensa um pouco, olha para o amigo e diz: __ Pois bem, terá minha amizade de volta, mas que isso não se repita!
Zé suspira de alivio mas é interpelado pelo vigia:
__ E, se for repetir, que me chame e não faça cerimônia.

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